Quando os quatro homens chegam à cabana à noite, cortam a cerca com golpes de facão. Depois, à luz das lanternas dos celulares, olham à volta da estrutura, feita de madeira e com um telhado de folhas de palmeira. Numa prateleira, encontram óleo para máquina.
"Os madeireiros usam-no para olear suas motosserras", diz Paatep Krikati, o líder da pequena tropa. "Devem ter estado aqui durante vários dias. E eles vão voltar."
Paatep tinha encontrado o abrigo no fim de um caminho pouco visível na selva. "Os madeireiros queriam escondê-lo bem", diz ele. "Mas nós, povos indígenas, podemos ler a floresta."
Paatep, um pequeno homem de 35 anos, joga gasolina na cabana. Espalha-a sobre a madeira e as folhas de palmeira e pega um isqueiro. "Todos para fora!"
As chamas já atingem metros de altura quando, de repente, tiros ecoam pela noite. Os homens instintivamente sacam suas espingardas, apontando-as para a mata. Mas o estrondo veio de cartuchos explosivos que os madeireiros tinham escondido entre as folhas das palmeiras.
O fogo na cabana ocorreu no final de outubro, na reserva do povo indígena Krikati no Maranhão. É um pequeno episódio de um conflito muito maior em curso na bacia do Amazonas: madeireiros, criadores de gado, agricultores, exploradores de ouro e caçadores estão invadindo os territórios dos povos indígenas do Brasil com cada vez maior frequência.
Cortam árvores, queimam vegetação, colocam o gado para pastar, contaminam rios, matam animais – e se necessário, até pessoas. Eles violam a lei que protege estritamente as reservas, mas que não parece mais
Abandonados pelo Estado, os krikati, um povo de cerca de 1.300 pessoas, não queriam mais assistir passivamente à destruição. Decidiram defender a sua terra: a sua floresta, os seus rios, as suas aldeias e, por último, o seu modo de vida. Fundaram uma guarda florestal batizada de Guardiões da Floresta, ou, na sua língua, Pji Jamyr Catiji.
Facões, espingardas e cinco sentidos
Um total de 14 homens e uma mulher pertencem à força de voluntários que patrulha a reserva. Usam botas e uniformes verde-oliva provenientes de doações, com imagem de um jaguar a rugir impressa nas costas. Eles estão armados com facões e espingardas – e os seus cinco sentidos.
Ao procurar o esconderijo dos madeireiros, os krikati reparam em cada galho partido. Seguem pequenos rastros de sangue que os levam aos restos de um macaco estripado por um caçador ilegal (que oferece a carne no dia seguinte na cidade vizinha de Amarante do Maranhão por Whatsapp, a R$ 5 o quilo).
Mais tarde, nessa mesma noite, os indígenas ouvem o eco quase perceptível de um tiro distante, disparado por outro caçador na reserva.
"O nosso trabalho é perigoso", diz Wilson Krikati, de 53 anos, o membro mais velho da expedição. Já houve troca de tiros, diz ele, mas ninguém foi ferido. "Fazemos isso pelos nossos filhos e netos. Sem a nossa terra, eles não terão uma boa vida."
Indispensáveis para proteger a floresta
No entanto, os krikati defendem muito mais do que apenas a sua reserva. Defendem o resto do mundo também, que enfrenta a quase impossível tarefa de frear a mudança climática. Para isso, seria crucial uma floresta intacta na bacia amazônica, que absorve enormes quantidades de carbono e também funciona como uma gigantesca máquina de circulação de água.
Abastece com chuva regiões do Brasil que, de outra forma, se tornariam savanas. Em algumas áreas do país, esse processo já começou.
E os indígenas são indispensáveis para a preservação da floresta. Segundo um estudo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), ninguém a protege melhor. Em nenhum lugar a natureza está mais intacta do que nos territórios indígenas, afirma a FAO enfaticamente.
A reserva Krikati é um dos quase 500 territórios indígenas reconhecidos no Brasil que gozam da proteção da Constituição de 1988. No entanto, as terras indígenas estão sendo atacadas de forma cada vez mais brutal. Há relatos diários de madeireiros, garimpeiros e criadores de gado invadindo-as.
Pela reserva do povo Yanomami no norte do Brasil, por exemplo, já se espalharam 20 mil garimpeiros. Eles atacam aldeias indígenas com armas de fogo.
E na reserva dos Piripkura, que ainda vivem isolados do mundo exterior, 3.400 hectares de floresta foram queimados em agosto deste ano. Os poucos piripkura que restam estão ameaçados de extinção, de acordo com a ONG Instituto Socioambiental (ISA).
As reservas do grande rio Xingu na bacia do sudeste do Amazonas são particularmente atingidas. Elas formam uma espécie de barreira contra o avanço do agronegócio para o norte. Mas quanto tempo ela ainda vai durar? Somente neste ano, a destruição da floresta no Xingu aumentou 50% em comparação com o ano passado.
"Sob Bolsonaro, invasores sentem-se intocáveis"
Não seria exagerado afirmar que o futuro da Amazônia é decidido nas reservas indígenas do Brasil – e os krikati lutam na linha da frente.
Depois de completarem a sua missão, Paatep e os outros três voltam para as suas motos, que estacionaram à beira da floresta para não fazerem qualquer barulho.
À direita e à esquerda, a luz da lua ilumina a faixa de devastação deixada pelos madeireiros. O solo úmido é cortado por rastros de pneus, há algumas árvores caídas, tal como latas de gasolina vazias com as quais motosserras foram reabastecidas.