Qual a responsabilidade dos EUA e da Otan pela Guerra na Ucrânia?
Qual a responsabilidade dos EUA e da Otan pela Guerra na Ucrânia?
04 May
Qual a responsabilidade dos EUA e da Otan pela Guerra na Ucrânia?
No dia 24 de fevereiro de 2022, a Rússia anunciou a invasão da Ucrânia e disse que seu objetivo era garantir que o país vizinho não entrasse na Aliança do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Além disso, o presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que pretendia "desnazificar" o leste ucraniano. Na prática, a ocupação parece dar início a uma nova etapa das relações geopolíticas internacionais.
Além disso, movimentos populares e de esquerda pelo mundo apontam para a responsabilidade dos Estados Unidos e Otan no conflito, perspectiva pouco abordada pelo discurso predominante na mídia comercial. Para falar sobre o tema, o Caminhos para o Mundo convidou Brian Becker, fundador do Partido pelo Socialismo e Libertação (PSL) dos EUA, e apresentador do podcast de notícias The Socialist Program with Brian Becker. Pacifista de longa data, Becker foi articulador de mobilizações de massa antiguerra em Washington na última década, como diretor da ANSWER Coalition (Act Now to Stop War & End Racism), um grupo de protesto composto por diversas organizações antiguerra e de direitos civis dos Estados Unidos que foi criado três dias após os ataques do 11 de setembro de 2001.“Um de cada dois estadunidenses, neste que é o país mais rico do mundo, vive na pobreza ou próximo a ela. Nós temos que ser capazes – e estamos tentando – de nos organizarmos aqui para dizer que a política externa dos EUA e a política de guerra estadunidense são as políticas das mesmas classes capitalistas e dos banqueiros, a classe bilionária, que está nos oprimindo aqui, em nosso país. E ao invés de ser roubado, atropelado e afogado na histeria de guerra gerada por nossos próprios opressores, temos que expor que a guerra é algo dos ricos.
A guerra é realizada para que haja despesas, lucros e dominação dos trabalhadores”, afirma o ativista.Confira a entrevista na íntegra:
A imprensa comercial costuma apontar a Rússia como única culpada pela guerra na Ucrânia. Porém, diversos analistas vêm expondo, nos últimos tempos, a responsabilidade dos Estados Unidos e da Otan no aumento das tensões entre os dois países.
Qual o papel histórico dos EUA e da Otan nessa guerra .
Está é a pergunta mais importante, porque todos nós que nos preocupamos com a paz e que queremos acabar com a guerra – nossa exigência mais urgente – precisamos entender como ela começou, o que a causa, quais são as várias dimensões da guerra, pois a menos que você entenda o que causou a invasão russa, você não será capaz de entender realmente qual o caminho para a paz na Ucrânia.
Porque a invasão russa, em 24 de fevereiro, não foi simplesmente uma ação espontânea. Não foi como se o governo russo tivesse acordado um dia e dito “Ei, vamos invadir Ucrânia! Vamos começar uma grande guerra na nossa fronteira”.
Não, isso não foi o que aconteceu.Para podermos entender porque a Rússia tomou essa medida extrema que o governo russo sabia com toda certeza que traria sanções muito duras, traria a tentativa e vigente implementação de um plano para expulsar a Rússia da economia mundial, para isolar a Rússia – em outras palavras, uma decisão que terá consequências muito abrangentes para a Rússia e os russos –
O fato óbvio é que o governo russo estava preocupado que a menos que a Ucrânia continuasse fora da Otan, a Rússia enfrentaria uma ameaça existencial que não teria fim. Pois para que a Ucrânia integre a Otan, significa que um país – Ucrânia – que compartilha uma fronteira de 1,2 mil milhas de extensão [1.930 km] com a Rússia seria o palco para posicionamento de avançados mísseis estadunidenses convencionais e nucleares ao longo de toda a fronteira russa.
A Rússia disse que esta é uma linha vermelha inaceitável e insistiu que o Ocidente, e particularmente os EUA, deem a ela a garantia de que a Ucrânia não se tornaria palco para estes tipos de operações militares. Isso é o que significa neutralidade do ponto de vista da Rússia.Isto está também dentro do contexto de três eventos muito importantes: um, em fevereiro de 2014, um golpe de Estado ocorreu na Ucrânia depondo o governo democraticamente reeleito de Viktor Yanukóvych. Isso foi em 22 de fevereiro de 2014. Milícias armadas invadiram o Parlamento, dissolveram o governo e tentaram matar o presidente.
Ele saiu do país para salvar sua vida. E quando isso aconteceu, autoridades estadunidenses, tanto do Partido Democrata quanto do Partido Republicano, inclusive membros do Departamento de Estado – Victoria Nuland em particular – disseram “Este foi um grande dia para a democracia ucraniana. Esta foi uma maravilhosa abertura de um novo capítulo”.
E o novo governo imediatamente anunciou que queria levar a Ucrânia para dentro da Otan.
O segundo evento foi em 2018, quando os Estados Unidos anunciaram uma nova doutrina militar que substituiu a doutrina militar que fora estabelecida após os atentados do 11 de Setembro de 2001. E a nova doutrina militar afirmou que a Guerra ao Terror, que havia sido a doutrina militar usada pelos EUA, não era mais a doutrina corrente.
A nova doutrina estava sendo elaborada para preparar os EUA para grandes conflitos de poder, o que significa preparar-se para uma guerra com a Rússia ou China. E então o terceiro evento ocorreu em 2019: os Estados Unidos cancelaram unilateralmente o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, que baniu o posicionamento de mísseis tanto nas fronteiras dos EUA quanto nas fronteiras da Rússia, mísseis que demoram de 6 a 7 minutos até o alvo, com alcance 3 mil milhas [4,8 mil km] a 6 mil milhas [9,6 mil km].
Esses mísseis foram posicionados contra a União Soviética na Europa em 1981. Houve um grande movimento antibélico, antinuclear na Europa daqueles tempos.
Em 1986, Ronald Reagan assinou um acordo, o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (Tratado INF), para banir estes tipos de mísseis em 1986. E em 2019, Donald Trump e o Pentágono anunciaram a revogação desse acordo.Então, a Ucrânia anuncia em 2014 que tem a intenção de se tornar parte da Otan. Em 2018, os EUA anunciam que se prepararão para uma guerra com a Rússia ou a China.
Em 2019, [ocorre] o cancelamento do Tratado INF. A Rússia disse em dezembro de 2021, apenas cinco meses atrás, “Não deixaremos isso acontecer. Não nos tornaremos tão vulneráveis e falamos a sério.
Estas são linhas vermelhas. E para mostrar que falamos sério, estamos enviando 150 mil russos soldados na Rússia e Belarus, circundando as porções leste e norte da Ucrânia e exigindo negociações com os Estados Unidos".
Para as quais os Estados Unidos disseram que as exigências russas são “não são um começo”, o que significa que os Estados Unidos não negociarão de forma alguma. Durante esses mesmos meses, gastaram vários bilhões de dólares em armas para a Ucrânia.Após a dissolução da União Soviética em 1991, quais foram as mudanças na política externa dos EUA, e como isso se relaciona com o imperialismo como conhecemos hoje
Bem, durante todo o período que vai de 1945 a 1991, quando a União Soviética colapsa, havia no mundo o que pode ser chamado de “poder bipolar”, o que significa que os EUA e os principais países capitalistas constituíam um mesmo campo, um único poder, e do outro lado estava a União Soviética e o campo socialista. Antes da Segunda Guerra Mundial acabar, a União Soviética era o único governo socialista.
Após a Segunda Guerra Mundial, havia a União Soviética, a República Popular da China, Vietnã do Norte, Coreia do Norte e então os países do leste europeu e da Europa Central [Polônia, Bulgária, Romênia, Tchecoslováquia, Albânia e Alemanha Oriental]
.Esses países estavam alinhados com a União Soviética, então você tinha dois poderes, e isso criou certo equilíbrio na situação mundial.
E o Terceiro Mundo basicamente se beneficiou dessa bipolaridade, porque se os Estados Unidos impusessem sanções ou tentassem isolar um país do Terceiro Mundo ou, por exemplo, Cuba, ela poderia contar com o campo socialista.
E ao invés de ser isolada e embargada, esmagada, eles [países] poderiam ir com outra potência mundial que não era simplesmente uma potência militar, mas que era um bloco econômico integrado.E então a União Soviética colapsou e, com ela, o campo socialista, tendo início uma era de unipolaridade.
Foi nesta época que os Estados Unidos mudaram toda a sua orientação e decidiram adotar um programa que foi delineado a partir de algo chamado de “o Papel Branco”, divulgado pelo The New York Times em 1991 e 1992, escrito por Paul Wolfowitz, que mais tarde se tornou uma figura importante na administração de George W. Bush.
E essa nova doutrina essencialmente esboça que os Estados Unidos usariam seu poder unipolar em sua gigantesca capacidade militar para evitar que qualquer rival conseguisse emergir novamente, o que seria um xeque-mate no poder unipolar dos Estados Unidos.Então os Estados Unidos iniciam ataques por todo o mundo.
Ataque ao Iraque, invade o Afeganistão, destrói a Líbia, tenta destruir Síria.
Todos os governos anticoloniais... todos os governos que devem suas existências à fase anticolonial após a Segunda Guerra Mundial na qual nações oprimidas lutaram por libertação nacional e que se voltaram para o campo socialista – ainda que elas mesmas não fossem socialistas – e puderam conseguir auxílio, assistência financeira, apoio diplomático e militar.
Então os Estados Unidos decidiram destruir todos esses governos pós-coloniais porque podiam, porque não havia qualquer outro poder para desafiá-los.