Diariamente, a classe trabalhadora produz diversas riquezas, mas por conta de uma contradição sistêmica é ela a mais endividada.
O mesmo acontece com economias mundiais, sendo as economias do terceiro mundo, exploradas e espoliadas por anos a fio, as que mais sofrem com dívidas externas galopantes
.Entre a classe explorada, há ainda aquelas que trabalham de forma gratuita para manutenção da acumulação de capital, nos trabalhos de reprodução e cuidado e que, apesar disso, cada vez mais se endividam para custear necessidades básicas – enquanto bancos e super ricos lucram exponencialmente.Tendo isso em vista, quem é que realmente deve pagar a conta?
Da especulação imobiliária que sujeita famílias inteiras a viver nas ruas à financeirização da educação com o financiamento privado do ensino superior – um arco-íris de esperança para milhares de jovens, onde em seu fim espreitam grandes grupos empresariais vivendo às custas da dívida.
A obra expõe como o endividamento é uma forma de violência contra pessoas que cada vez mais angustiadas acabam por recorrer a mecanismos como o microcrédito, um dos mais vorazes instrumentos da atual exploração.
Isso ocorre, de acordo com as organizadoras, através de um processo chamado colonização financeira da reprodução social, afinal, subjuga “as populações mais empobrecidas e precarizadas como território de conquista”, tornando-as “dependentes da dívida para sua economia cotidiana”.
Como quem paga a conta do cartão de crédito com outro cartão de crédito
Endividamento como instrumento de acumulação global
O endividamento, longe de ser um problema individualizado, consequência “apenas” de uma “má gestão financeira”, é um instrumento de acumulação de capital, ou seja, é uma questão coletiva que afeta principalmente as populações e economias terceiro-mundistas.
O endividamento, de fato, não pode ser reduzido a uma questão de má gestão financeira individual.
Ele é um fenômeno estrutural e global, profundamente ligado às dinâmicas do capitalismo e às relações de poder entre países e classes sociais.
No contexto dos países terceiro-mundistas, o endividamento assume um papel central na manutenção de desigualdades e na exploração de recursos e mão de obra.
O endividamento como instrumento de acumulação de capital
O endividamento funciona como um mecanismo de acumulação de capital, especialmente em um sistema econômico globalizado e financeirizado.
Países periféricos, muitas vezes com economias fragilizadas por séculos de colonialismo e exploração, são pressionados a contrair empréstimos para financiar desenvolvimento, infraestrutura ou até mesmo para cobrir déficits fiscais. No entanto, as condições desses empréstimos, frequentemente impostas por instituições financeiras internacionais como o FMI e o Banco Mundial, reforçam ciclos de dependência e subordinação.
As taxas de juros elevadas, as políticas de austeridade e as condicionalidades associadas a esses empréstimos (como cortes em serviços públicos e privatizações) beneficiam os credores e as elites globais, enquanto aprofundam a pobreza e a desigualdade nas nações endividadas.
Dessa forma, o endividamento não é apenas uma questão econômica, mas também política e social, que perpetua a dominação de países centrais sobre os periféricos.
Uma questão coletiva e global
O endividamento afeta populações inteiras, especialmente as mais vulneráveis.
Nos países periféricos, os custos do endividamento recaem sobre os trabalhadores, que enfrentam cortes em direitos sociais, aumento de impostos e precarização do trabalho.
Além disso, a dívida externa limita a capacidade dos Estados de investir em políticas públicas, como saúde, educação e infraestrutura, essenciais para o desenvolvimento humano e econômico.
A dívida também tem um caráter histórico e colonial. Muitos países do chamado "Terceiro Mundo" herdaram dívidas de regimes autoritários ou coloniais, que foram contraídas sem o consentimento das populações locais.
Essas dívidas, muitas vezes ilegítimas, continuam a ser cobradas, perpetuando ciclos de exploração e dependência.
Resistências e alternativas
Diante desse cenário, movimentos sociais e organizações internacionais têm defendido a auditoria das dívidas públicas, a anulação de dívidas ilegítimas e a construção de um sistema financeiro mais justo e democrático.
A luta contra o endividamento opressivo faz parte de um projeto maior de transformação social, que busca romper com as estruturas de dominação e exploração do capitalismo global
.Portanto, o endividamento é, sim, uma questão coletiva, que exige soluções estruturais e solidárias, tanto no âmbito nacional quanto internacional.
Enquanto instrumento de acumulação de capital, ele reflete e reforça as desigualdades globais, mas também pode ser um campo de luta por justiça e soberania econômica.