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08 Feb
A SUPEREXPLORACAO DO TRABALHO PELO CAPITALISMO  NUMA PERSPECTIVA MARXISTA

O trabalho na sociedade capitalista confunde-se com o emprego, bem como sua função deixa de estar ligada à produção de valores de uso para produzir valores de troca, beneficiando o detentor dos meios de produção, enquanto o trabalhador não tem acesso aos bens que produz

.A força de trabalho converte-se em mercadoria e o operário precisa trabalhar não mais para produzir sua existência, mas para garantir sua sobrevivência. Num contexto de grande desenvolvimento tecnológico, automatização de tarefas e redução dos postos de trabalho, o trabalhador se vê diante da necessidade de se adaptar às exigências do capital, sob pena de engrossar a fila de desempregados e colocar em risco sua sobrevivência e de sua família.

A formação do trabalhador, entendida como processo educativo, tem como uma de suas principais premissas o atendimento às demandas do capital, que atualmente requer um trabalhador polivalente, capaz de desempenhar várias tarefas e adaptar-se rapidamente às mudanças que o progresso tecnológico impõe.

Este artigo tem por objetivo discutir esta formação, tomando por base os pressupostos teóricos marxistas. Inicialmente buscou-se refletir sobre a concepção de trabalho enquanto produção da existência humana e como tal concepção é deturpada no capitalismo, marcado, sobretudo, pela exploração do trabalhador

.Em seguida procede-se uma reflexão acerca da formação do trabalhador numa perspectiva dialética, onde esta formação ao mesmo tempo em que atende aos interesses do capital, ao capacitar a força de trabalho segundo suas demandas, pode favorecer a emancipação dos sujeitos, conscientizando-os politicamente para a luta de classes.

O Trabalho numa perspectiva marxista

A concepção de trabalho como produção da existência humana e sua deturpação pelo capitalismo permeia toda a obra de Marx (1986), partindo da compreensão do trabalho como um processo de interação entre o homem e a natureza, onde o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza.

 Mais que isto, de acordo , ao mesmo

tempo em que o homem transforma a natureza, por meio do trabalho, é também transformado nesta relação, constituindo-se como ser histórico.É o trabalho que diferencia o homem dos outros animais, não apenas pela atividade laboral em si, mas por seu planejamento, sua sistematização a partir da capacidade racional. Como bem pontuam 

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e uma abelha envergonha muitos arquitetos com a estrutura de sua colmeia. Porém, o que desde o início distingue o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de que o primeiro tem a colmeia em sua mente antes de construí-la com a cera.

 No final do processo de trabalho, chega-se a um resultado que já estava presente na representação do trabalhador no início do processo, portanto, um resultado que já existia idealmente. Isso não significa que ele se limite a uma alteração da forma do elemento natural; ele realiza neste último, ao mesmo tempo, seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, o tipo e o modo de sua atividade e ao qual ele tem de subordinar sua vontade. 

E essa subordinação não é um ato isolado. Além do esforço dos órgãos que trabalham, a atividade laboral exige a vontade orientada a um fim, que se manifesta como atenção do trabalhador durante a realização de sua tarefa 

O trabalho humano envolve, portanto, atividade mental, subjetividade, e não apenas a execução mecânica e instintiva de movimentos. Dirige-se à consecução de objetivos pré-determinados, oriundos de suas necessidades. 

Assim, desde os primórdios da existência humana, o homem trabalha para produzir sua existência e, ao longo da história, cria meios e/ou instrumentos para facilitar-lhe o trabalho, bem como novas formas de organização social. 

, “o ato de produção e reprodução da vida humana realiza-se pelo trabalho. É a partir do trabalho que o homem torna-se ser social, distinguindo-se de todas as formas não humanas”. Isto porque pelo trabalho o homem relaciona-se não apenas com a natureza, mas também com outros seres humanos

.O trabalho, em seu sentido originário, é indissociável de seus fins sociais, voltado para a satisfação de necessidades materiais e imateriais específicas, onde o trabalhador é quem decide o que, como e em que ritmo produzir. Tanto os meios e instrumentos de trabalho, como as técnicas que envolvem o processo de trabalho são de domínio público, qualquer pessoa pode ter acesso a elas, independente de escolaridade ou disponibilidade de recursos financeiros 

A concepção marxista do trabalho carrega um sentido ontológico, relacionando- se à produção da existência humana, como elemento fundante do ser social, ao qual se vinculam todas as demais atividades humanas.

Para a produção social de sua existência, o homem tem de satisfazer um conjunto de necessidades humanas, que vão do estômago à fantasia, ou seja, da alimentação à arte, passando pela vestimenta, moradia, educação, etc.

 Para tanto, os homens têm de produzir os elementos que possam propiciar a satisfação de suas necessidades humanas, tais como comida, roupa, casa, ônibus, escola, teatro, etc. Esses elementos podem ser chamados de meios de subsistência e são produzidos pelos homens por intermédio do trabalho.

 Por sua vez, para que haja a produção dos meios de subsistência, os homens têm de produzir, por intermédio de seu trabalho, os meios de produção, como o trator, a colheitadeira, os sistemas de irrigação e de transporte, as ferramentas, máquinas e equipamentos, 

Para “o trabalho distingue-se de todas as outras categorias, pois somente ele tem a função de produzir a riqueza material necessária à existência humana”. As demais categorias, como a arte, a linguagem, a ciência, a educação, entre outras, tem sua origem no trabalho. 


O trabalho é tido como base de qualquer forma de sociabilidade, sendo que a superação de algum modo de produção (incluindo o capitalismo), independente de como se concretize, terá como pressuposto uma mudança na forma do trabalho.Neste contexto, o trabalho visa necessariamente a produção de valores de uso, isto é, o homem produz aquilo que serve para atender às suas necessidades imediatas (meios de subsistência) e mediatas (meios de produção). 

Este processo se desenvolve na medida em que vai sendo passado de geração em geração, sendo incorporadas novas práticas e novos instrumentos que favorecem o aumento da produtividade do trabalho, com vistas a possibilitar a melhor satisfação de necessidades humanas com menor dispêndio de trabalho. 

Tal desenvolvimento, numa concepção de trabalho enquanto produção da existência humana, beneficiaria a todos.Com o surgimento da propriedade privada, ocorre uma importante transformação na concepção de trabalho, que se intensifica ainda mais com o advento do capitalismo, onde o trabalho passa a configurar sinônimo de exploração e não mais de produção da existência.

O trabalho no capitalismo

Nas sociedades primitivas o trabalho apresentava-se como produção da existência humana, numa perspectiva cooperativa, onde os homens produziam sua existência em comunidade educando-se enquanto lidavam com a terra, a natureza e por meio das relações interpessoais. À medida que o homem se fixa na terra, considerada o principal meio de produção, surge a propriedade privada e, com ela, a divisão em classes: a classe dos proprietários e a classe dos não proprietários .

Logo que o trabalho começa a ser distribuído, cada um passa a ter um campo de atividade exclusivo e determinado, que lhe é imposto e ao qual não pode escapar; o indivíduo é caçador, pescador, pastor ou crítico, e assim deve permanecer se não quiser perder seu meio de vida. 

A divisão do trabalho tem como reflexo uma divisão estrutural da sociedade. A partir da propriedade privada, surge a possibilidade de que um indivíduo não precise mais trabalhar para sobreviver, vivendo do trabalho alheio, desde que possua os meios de produção. Santos Neto (2012, p. 84) esclarece que “em todas as sociedades organizadas a partir de relações de expropriação do trabalho alheio, apresentam-se dois grupos sociais profundamente antagônicos: escravos e senhores, servos e senhores feudais, operários e capitalistas”. 

No modo de produção escravista, o “senhor” detinha a posse não só dos meios de produção como dopróprio trabalhador (o escravo). Já no modo de produção feudal, o trabalho passa por modificações e se constitui como servil. 

O senhor feudal não tinha a propriedade do vassalo, mas da terra e dos meios de produção. Os vassalos ofereciam trabalho e fidelidade aos senhores, em troca de proteção e um lugar para morar e produzir sua subsistência, gozando assim de uma liberdade restrita, já que não teriam condições de deixar as terras dos senhores por não dispor dos meios de produção de forma independente. 

O advento do capitalismo transforma mais uma vez a relação do trabalhador com os donos dos meios de produção (o capitalista), tendo como característica principal a venda, pelo trabalhador, de sua força de trabalho, transformada então em mercadoria. O trabalho na sociedade capitalista é degradado, se converte em meio de subsistência, a força de trabalho é transformada em mercadoria, enquanto o trabalho torna-se sinônimo de obrigação, adquire sentido de penúria, causa estranhamento ealienação. O homem passa a estranhar seu semelhante, visto como simples meio para satisfação de fins privados 

.Uma das características essenciais do capitalismo é transformar tudo em mercadoria, “coisificando” o trabalho, seu resultado e até mesmo o ser humano. O fetichismo capitalista consiste em negar a subjetividade humana. O trabalhador, na sociedade capitalista, não só deixa de ter poder sobre o produto de seu trabalho, como passa a lhe ser submisso, assumindo uma condição praticamente de escravo do próprio trabalho. 

O indivíduo tem no trabalho não mais uma forma de satisfazer suas necessidades ou de produzir sua existência, mas como algo que o priva da convivência familiar, de lazer, enfim, de tempo para dedicar-se ao que lhe é prazeroso. Assim, ocorre não só o estranhamento do trabalhador em relação ao produto de seu trabalho como também em relação ao próprio trabalho, que deixa de ser voluntário para ser forçado, obrigatório, considerado um meio para satisfazer suas necessidades quando não está trabalhando

.O capitalismo distancia o trabalho de seu sentido ontológico de produção da existência humana, sendo caracterizado pela exploração do trabalhador pelo capitalista e transformação da força de trabalho em mercadoria. Mais que isto, o próprio trabalhador é objetificado, como bem assevera Honneth (2007), ao discutir o conceito de reificação, onde se deixa de perceber no outro as características que o tornam humano, tratando-o como “coisa”

. O não reconhecer-se no outro provoca o distanciamento, a indiferença, manifestando-se nas relações sociais e na relação com o meio natural e social, onde tudo passa a ser “coisificado”, facilitando assim a exploração pelo capital.Na sociedade capitalista, o trabalhador aliena sua força de trabalho, transferindo-a para outro, tendo em vista que, por não dispor dos meios de produção, não tem condições de trabalhar para si mesmo

. Assim, o trabalhador vende sua força de trabalho ao capitalista, em troca de dinheiro, com o qual pode comprar as mercadorias de que necessita para sobreviver. Em contrapartida, o capitalista organiza a produção de modo a produzir uma mercadoria cujo valor seja maior do que a soma do valor das mercadorias requeridas para sua produção: os meios de produção e a força de trabalho 

Com a alienação do trabalho, que deixa de ser compreendido como produção da existência tornando-se algo externo, ocorre o estranhamento do homem emrelação ao seu trabalho e ao seu resultado, que não lhe pertence. Ao contrário, quanto mais trabalha, mais o sujeito se afasta de sua essência e menos possibilidade dispõe de acesso aos bens que produz, não se reconhece em seu trabalho por não dispor de sua liberdade, fazendo de sua atividade vital apenas um meio para sua existência 

).O trabalho na sociedade capitalista, assim como a propriedade, a ciência e a tecnologia, deixa de ter centralidade como produtor de valores de uso para os trabalhadores. Ao contrário, passa a ter como função principal produzir valores de troca, gerando mais lucro para os capitalistas, reduzindo à mercadoria a força de trabalho (

).Enquanto o valor de uso refere-se à utilidade social de um determinado objeto, isto é, para ter valor o objeto precisa ser útil, justificando o trabalho empregado em sua produção, deve ser capaz de atender a uma necessidade humana, o valor de troca refere-se à valoração material de um bem, especialmente quando o “direito de uso” é transferido a outrem por meio da troca, implica estabelecer uma relação quantificada de equivalência entre as mercadorias. Neste contexto, uma mercadoria tem inúmeros equivalentes potenciais.

 O dinheiro, entendido também como mercadoria, surge do sistema de trocas, tendo em vista a propagação das relações de troca de mercadorias, como forma de facilitar as trocas mercantis, constituindo uma medida de valor 

.Em meados da década de 1970 o capitalismo passa por um período de reestruturação, marcado pelo processo de acumulação flexível onde a produção de mercadorias passa a ser vinculada à demanda, tendo como uma de suas premissas a necessidade de um mesmo trabalhador operar simultaneamente várias máquinas, como forma de responder à crise financeira, aumentando a produção sem elevar o número de trabalhadores, apoiando-se na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo 

.Com o processo de acumulação flexível, o capitalismo manifesta seu objetivo maior


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