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26 Mar
A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica

A análise da ‘revolução burguesa’ constitui um tema crucial no estudo sociológico da formação e desenvolvimento do capitalismo no Brasil.Naturalmente, existe um antes e um depois.De um lado, a economia exportadora prepara, estrutural e dinamicamente, o caminho para essa revolução socioeconômica e política.

De outro, existem três alternativas claras para o desenvolvimento econômico ulterior da sociedade brasileira, as quais podem ser identificadas através de três destinos históricos diferentes, contidos ou sugeridos pelas palavras ‘subcapitalismo’, ‘capitalismo avançado’ e ‘socialismo’

.Nesta exposição, porém, não vamos nos concentrar sobre esse assunto, pois o que se impõe examinar agora, com a profundidade possível, é o durante: ou seja, a etapa na qual se inicia a própria consolidação do regime capitalista no Brasil, como uma realidade parcialmente autônoma, com tendências bem definidas à vigência universal e à integração nacional.

Serão abrangidos e focalizados, de preferência, aspectos gerais da ‘Revolução Burguesa’, cuja interpretação sintética já se pode tentar com alguma margem de erro mas com relativa segurança, graças às investigações econômicas, históricas e sociológicas realizadas nos últimos quarenta anos.Primeiro, vamos tentar pôr em evidência aquilo que se poderia chamar ‘nossa maneira de ver as coisas’.Em seguida, serão discutidos os seguintes temas:

  1. a emergência da ‘Revolução Burguesa’;

  2. seus caracteres estruturais e dinâmicos;

  3. os limites, a curto e a longo prazo, que parecem confiná-la e reduzir sua eficácia como processo histórico-social construtivo.

Questões Preliminares De Importância Interpretativa

A discussão do tema proposto exige que se tenham em mente certas noções de caráter explicativo.

A tradição dominante em nossa historiografia conduziu os melhores espíritos a uma espécie de ‘história oficial’ singularmente desprendida de intenções interpretativas e, em particular, muito sujeita a converter os móveis declarados e as aspirações ideais conscientes dos agentes históricos em realidade histórica última, tão irredutível quão verdadeira em si mesma.

A reação a esse padrão deficiente e deformado de descrição histórica é recente e ainda não conseguiu criar uma perspectiva de interpretação histórica livre de etnocentrismos, aberta a certas categorias analíticas fundamentais e criticamente objetiva.

Por isso, aí reina uma confusão conceptual e metodológica prejudicial a qualquer tentativa de investigação macrossociológica.Não nos cabe examinar os aspectos mais gerais desse dilema, em que se encontram a Historiografia e a Sociologia histórica brasileiras.Contudo, tivemos de enfrentá-lo no setor das presentes indagações.Daí a necessidade de estabelecer, preliminarmente, certas questões de alcance heurístico.

Primeiro, como a noção de ‘burguês’ e a de ‘burguesia’ têm sido explicadas e como devem ser entendidas (de acordo com a opinião do autor) no estudo da sociedade brasileira.Segundo, a própria questão da ‘Revolução Burguesa’ como realidade histórica em nosso país.Terceiro, como essa noção pode ser calibrada a partir de situações históricas vividas ou em processo no seio da sociedade brasileira.Quanto às noções de ‘burguês’ e de ‘burguesia’, é patente que elas têm sido exploradas tanto de modo demasiado livre, quanto de maneira muito estreita.

Para alguns…

… o ‘burguês’ e a ‘burguesia’ teriam surgido e florescido com a implantação e a expansão da grande lavoura exportadora, como se o senhor de engenho pudesse preencher, de fato, os papéis e as funções socioeconômicas dos agentes que controlavam, a partir da organização econômica da Metrópole e da economia mercantil europeia, o fluxo de suas atividades socioeconômicas.

Para outros, ambos não teriam jamais existido no Brasil, como se depreende de uma paisagem em que não aparece nem o Castelo nem o Burgo, evidências que sugeririam, de imediato, ter nascido o Brasil (como os Estados Unidos e outras nações da América) fora e acima dos marcos histórico-culturais do mundo social europeu.Os dois procedimentos parecem-nos impróprios e extravagantes.De um lado, porque não se pode associar, legitimamente, o senhor de engenho ao ‘burguês’ (nem a ‘aristocracia agrária’ à ‘burguesia’).

Aquele estava inserido no processo de mercantilização da produção agrária; todavia esse processo só aparecia, como tal, aos agentes econômicos que controlavam as articulações das economias coloniais com o mercado europeu.Para o senhor de engenho, o processo reduzia-se, pura e simplesmente, à forma assumida pela apropriação colonial onde as riquezas nativas precisavam ser complementadas ou substituídas através do trabalho escravo.

Nesse sentido…

… ele ocupava uma posição marginal no processo de mercantilização da produção agrária e não era nem poderia ser o antecessor do empresário moderno

.Ele se singulariza historicamente, ao contrário, como um agente econômico especializado, cujas funções construtivas diziam respeito à organização de uma produção de tipo colonial, ou seja, uma produção estruturalmente heteronômica, destinada a gerar riquezas para a apropriação colonial.Uma das consequências dessa condição consistia em que ele próprio, malgrado seus privilégios sociais, entrava no circuito da apropriação colonial como parte dependente e sujeita a modalidades inexoráveis de expropriação controladas fiscalmente pela Coroa ou economicamente pelos grupos financeiros europeus, que dominavam o mercado internacional

.O que ele realizava como excedente econômico, portanto, nada tinha que ver com o ‘lucro’ propriamente dito.Constituía a parte que lhe cabia no circuito global da apropriação colonial.Essa parte flutuava em função de determinações externas incontroláveis, mas tendia a manter-se em níveis relativamente altos dentro da economia da Colônia porque exprimia a forma pela qual o senhor de engenho participava da apropriação colonial (através da expropriação de terras e do trabalho coletivo dos escravos).

No conjunto…

… nada justificaria assimilar o senhor de engenho ao ‘burguês’, e é um contrassenso pretender que a história da burguesia emerge com a colonização.De outro lado, a orientação oposta peca por uma espécie de historicismo anti-histórico.Trata-se, no fundo, de considerar ‘histórico’ somente o que ocorre sob o marco do ‘aqui e agora’, como se a história fosse uma cadeia singular de particularidades, sem nenhuma ligação dinâmica com os fatores que associam povos distintos através de padrões de civilização comuns.

Ora, acontecimentos com esse caráter, apesar de ‘singulares’ e ‘particulares’, podem não ser históricos.O que é ou não é histórico determina-se no nível do significado ou da importância que certa ocorrência (ação, processo, acontecimento etc.) possua para dada coletividade, empenhada em manter, em renovar ou em substituir o padrão de civilização vigente

.Tomado nesse nível, o histórico se confunde tanto com o que varia quanto com o que se repete, impondo-se que se estabeleçam como essenciais as polarizações dinâmicas e que orientem o comportamento individual ou coletivo dos atores (manter, renovar ou substituir o padrão de civilização vigente).Sob esse aspecto, o elemento crucial vem a ser o padrão de civilização que se pretendeu absorver e expandir no Brasil…

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