De forma tranquila procurei demonstrar que o “modelo” chinês tem como base fiscal e monetário um grande fato: moeda criada pelo Estado sob intermediação financeira pública que é emprestada para empresas do Estado, províncias, municípios e empresas não públicas.
Ou seja, a mim está clara uma das características de uma economia de projetamento, na forma como surge na China. Trata-se do casamento entre monopólio do Partido Comunista sobre a grande propriedade pública, na indústria e na finança, e o exercício consciente de sua soberania monetária para fins de entrega de bens e serviços.
Como diria o pai da “Economia do Projetamento”, “projetamento é a busca da razão, na relação entre custo e benefício de cada projeto”.
Na China, a moeda é um bem público – ao contrário do Brasil, onde, dado o poder do sistema financeiro sobre os destinos da política monetária, a moeda é quase um ente privado.
Continuando a conversa, ainda com muita tranquilidade, disse que o endividamento local não é uma contradição do “modelo”, mas um atributo da dinâmica de desenvolvimento. Uma sobrevivência das relações entre governo central e províncias desde a milenaridade do modo de produção asiático.
A minha conclusão foi objetiva e assustadora a quem ouvia. “Em breve, a China vai encontrar uma solução para isto”.
Algumas semanas depois, precisamente na primeira semana de novembro, o governo central anunciou um grande pacote fiscal de US$ 1,4 trilhão, tanto para aplacar as dívidas locais quanto para recomprar a concessão de terras a incorporadas atingidas pela crise imobiliária.Foi apenas um entre outros 14 pacotes fiscais, anunciados entre setembro de 2024 e dezembro de 2025.
O primeiro anúncio de 2025 já foi feito com um aumento-surpresa nos salários de 48 milhões de servidores públicos chineses. Esse aumento equivale a uma injeção de quase três bilhões de dólares na economia do país.
Ou seja, o governo chinês já inicia o ano com uma medida com algum impacto sobre a capacidade de consumo de milhões de pessoas. Mas o que se pode esperar em termos de políticas fiscal e monetária para 2025?
Como nos acostumamos no Brasil e observar o fiscal e o monetário fins em si mesmos, e parte de uma operação simplesmente contábil, pode parecer estranho relacionar a submissão do monetário e o fiscal aos objetivos estratégicos de um país e, mesmo às suas ambições geopolíticas.
Não deveria ser novidade, desde o momento que observamos que a Inglaterra pós-Revolução Industrial transformou a dívida pública em poderosa arma política.
Da mesma forma que a China deverá manter políticas cada vez mais ousadas e expansivas nos campos monetário e fiscal. As razões são domésticas (necessidade de geração anual de 12 milhões de empregos urbanos/ano) e, sobretudo geopolíticas/tecnológicas, pois o país está disputando palmo a palmo a liderança da atual revolução técnico-científico em vários níveis, com ênfase nas indústrias relacionadas à transição energética.
Voltarei a isso.Políticas monetárias e fiscais expansivas também se impõem diante da corrida chinesa pela autonomia nas chamadas infraestruturas dos semicondutores e na Inteligência Artificial.
Se Biden e, agora, Trump, lançaram mão de trilhões de dólares para jogar à frente a fronteira tecnológica nestes setores, a China faz o mesmo em termos de catching-up.
Ou seja, enquanto o Brasil, fiel à ultrapassada teoria quantitativa da moeda, discute se os pobres têm o direito de uma velhice digna sem afetar o “equilíbrio fiscal”, na China (e nos Estados Unidos) queima-se, em linguagem figurada, “dinheiro em praça pública” – para ver quem chega primeiro no topo da montanha na corrida pela dianteira da fronteira do conhecimento.Ciência, tecnologia e inovação custam trilhões de dólares a fundo perdido.
Entre 2025 e 2030 a previsão é de investimentos da ordem de US$ 1,4 trilhão na China, somente em Inteligência Artificial. Em 2024, somente em circuitos integrados foram quatro pacotes, da ordem de US$ 40 bilhões cada.
Voltando aos investimentos em energias limpas, como não estão consolidados os números de 2025, vale lembrar que tal movimento é parte do esforço de liderança do país nestas áreas, mas também busca acelerar outra transição.
Uma economia que durante décadas foi sustentada por imensos investimentos em infraestruturas e no setor imobiliário passou a se desenvolver-se com base em investimentos vultosos na fronteira tecnológica
.Nada indica que isso irá mudar em 2025, ainda mais levando em conta o empenho dos Estados Unidos em manter e ampliar seu bullying tecnológico contra a China.
Abrindo um parêntese, vale lembrar que a fase anterior levava em conta a necessidade de abrigar dezenas de milhões de chineses em trânsito do campo para a cidade
. Para termos ideia, entre 2014 e 2023, duzentos milhões de pessoas tornaram-se cidadãos urbanos na China, o que demanda um esforço de planificação deste processo que as ciências sociais não estão preparadas para mensurar
.Em 2023, o crescimento dos investimentos em energia limpa foi 40% maior que o verificado em 2022, alcançando US$ 890 bilhões. Este nível de inversões é comparável ao PIB de países como a Suíça ou a Turquia, destacando a escala do compromisso da China com a energia limpa.
A contribuição do setor de energia limpa para a economia chinesa foi de US$ 1,6 trilhão em 2023, refletindo um aumento de 30% em relação ao ano anterior.
Esse crescimento fez dos setores de energia limpa o maior motor da expansão econômica da China, respondendo por 40% do crescimento total do PIB.
Sem seu avanço, o PIB da China teria ficado abaixo da meta do governo, alcançando apenas 3%, em vez dos 5,2% almejados naquele ano